domingo, 26 de junho de 2016

UM PRESIDENTE CROSSDRESSER

Naquela noite, no horário habitual do jantar, na residência Oficial do Presidente da República, a mesa estava posta. Na suntuosa sala de jantar, D. Noelma Óteles aguardava junto à meia dúzia de serviçais, o presidente Hamílcar Óteles sair de seus aposentos para dar início ao jantar. Ao adentrar na sala de jantar, o presidente Hamílcar causou uma reação espasmódica em quem ali se encontrava. Estava ele totalmente ajaezado e vestido como mulher. A primeira providência da primeira-avó, D. Noelma, foi ordenar que o mordomo Cristóvão retirasse os demais serviçais da sala. O que foi feito às pressas. Com o olhar atento e suspicaz, após a saída de todos, com a docilidade que lhe era peculiar (em se tratando do neto), D. Noelma levantou-se e foi ao encontro do neto-presidente. Ela era chamada, melifluamente, de primeira-avó pelo povo brasileiro porque o presidente era órfão de pai e mãe e, além disto, solteiro. Só lhe sobrara a avó de parente. A carinhosa avó abraçou-o, beijou-o e em seguida fez as observações necessárias: - Anjo amado, por que você está assim, meu neto querido? Desde que foi eleito Presidente da República, não havia mais se vestido assim na presença de ninguém, além de mim e do Cristóvão! O que houve? Não sabe que, se este seu gosto de vestir-se de mulher vier à tona, poderá arruinar sua carreira política? Será execrado pela opinião pública. Melhor que ninguém, nós sabemos que Brasília vive mergulhada em incongruências comportamentais, todavia, se a nação brasileira tomar conhecimento deste teu segredo, a consequência será catastrófica. - alertou de forma fagueira D. Noelma. - Vovó, eu não aguento mais viver tendo a vida controlada. Não posso isso, não posso aquilo. Estou saturado. Veja, vovó, a repressão contra meu gosto está atingindo meu metabolismo, estou com manchas e feridas por todo corpo. A senhora e o Cristóvão sabem que nada mais me acalenta do que vestir-me com roupas femininas. Vestido assim, as ideias fluem melhor e eu consigo dar o melhor de mim. Repito o que diz a personagem Rosalinda, da peça “As You Like It”, escrita por Shakespeare: “o disfarce deixa-nos livres e soltos”. Mas essas exageradas proibições que estou vivendo estão me atormentando. Eu preciso de outros ares, sair do Brasil, ir para um lugar onde ninguém me reconheça e eu possa vestir-me como quiser. A política aniquila-me em todos os sentidos. - desabafou o Presidente, abraçando a avó. - Escute, meu anjo amado, o que sua avó vai lhe dizer. Você sabe que não há neste mundo uma pessoa que o ame mais que sua avó, não sabe? Hamílcar confirmou balançando a cabeça. - Pois bem, amado, eu sei, o Cristóvão sabe, e o seu pai, que Deus o tenha em bom lugar, sempre soube e nunca o discriminou por isso. Você veste roupas femininas, não é porque seja afeminado ou porque possua qualquer tipo de afecção sexual. Temos plena convicção que você não é homossexual como seus adversários políticos gostam de lhe taxar. Você é, como dizem os estadunidenses, um crossdresser. Entretanto o povo brasileiro não está afeito em ver homens em trajes exclusivos de mulheres. Para ser sincera, meu querido, a maioria dos brasileiros nem sabe o que significa ser crossdresser. Hamílcar, você não pode, nem deve se enunciar assim, vestido deste jeito, na frente de pessoas de nosso convívio. Hoje elas estão trabalhando conosco, nos servindo, porém, amanhã não estarão mais e venderão informações de foro íntimo da nossa família. Você entende, querido? - foi incisiva D. Noelma com as palavras proferidas. - Entendi, vovó, eu sei que prometi ao papai, no leito da morte, que me vestiria deste jeito apenas na presença da senhora e do Cristóvão ou em lugares onde eu tivesse certeza absoluta de que ninguém me reconheceria, entretanto, depois que vi o famoso e internacional quadrinista brasileiro, Laerte Coutinho, optando pela prática pública do crossdressing, eu pensei que não haveria tanto impacto negativo se eu aderisse, pelo menos aqui em casa, a esta prática, que me faz tão bem. Se o Laerte, que é uma pessoa pública, casado e pai de filhos pode, por que eu não posso, vovó? - questionou o presidente debulhando-se em lágrimas. - Anjo amado, o Laerte Coutinho é um artista. E um artista pode tudo! Mas você não. Você é o Presidente da República e não pode sair por aí vestido de mulher.  - Compreendi, vovó dileta. Um presidente é muito mais que um artista. Um presidente tem que ser um paladino da moral e dos bons costumes. - concluiu o presidente, cabisbaixo e desapontado por ter seu desejo de ser crossdresser mais uma vez ceifado. - É isso aí, meu anjo amado! Não vamos criar cadafalso para a choldra tripudiar em cima da família Óteles. Com a situação remediada, o presidente Hamílcar Óteles fez um pedido que pegou a avó sem ação para contrariá-lo. - Vovó, já que estou aqui assim e a mesa já está posta, eu posso jantar do jeito que estou, vestido de mulher? Só hoje, vovozinha querida! Diga que sim, “please”! Meio a contragosto, D. Noelma concordou para tirar a nítida tristeza do rosto do neto-presidente: - Está bem, meu filho! Mandarei somente o Cristóvão servir-nos. Os demais serviçais não entrarão aqui enquanto estivermos jantando. - Obrigado, vovó! Vovozinha dileta do meu coração, minha eterna guardiã... - com enorme euforia, o presidente crossdresser agradeceu a avó. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. 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