domingo, 24 de agosto de 2008

CONTO - BIOGRAFIA DE UMA PAIXÃO

BIOGRAFIA DE UMA PAIXÃO - Conto escrito em 1988.

Todos tinham conhecimento, sem exceção, inclusive o Cardeal Metropolitano do Rio de Janeiro, de que a verdadeira vocação do diácono Ailson Fontes não era o sacerdócio mas sim a de ser jogador de futebol. Para ser mais preciso, ser goleiro. Sua técnica infalível de defender o gol rendeu-lhe uma matéria de página inteira no caderno de esportes do jornal O Globo. A manchete trazia o seguinte título: “As Mãos Protetoras do Goleiro de Deus”. O que mais instigava a todos era saber que o diácono Ailson recusou um rico contrato para jogar em um time de grande porte da capital fluminense.
Após oito anos ininterruptos estudando Filosofia e Teologia no Seminário São José, no bairro do Rio Comprido, finalmente chegou o dia da ordenação sacerdotal do diácono Ailson, na Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Pontualmente, às 10h daquele domingo de sol abrasador, adentrou na Catedral Metropolitana um exército clerical: seminaristas, diáconos, bispos-auxiliares e Sua Eminência, o Cardeal, que presidiria a cerimonia religiosa. Todos paramentados liturgicamente se dirigiram ao presbitério sob o imenso tapete vermelho. Logo atrás das autoridades eclesiásticas, vinha uma legião de mulheres, pertencentes a diversos organismos da Santa Madre Igreja: Apostolado da Oração, Filhas de Maria e Cruzada Eucarística; todas traziam bandeiras bordadas com as insígnias das respectivas confrarias. A entrada das carolas na igreja-mãe da Cidade Maravilhosa foi coreografada. Os passos e os movimentos feitos com as bandeiras eram sincronizados, milimetricamente corretos, tais procedimentos faziam lembrar uma festa de abertura da Copa do Mundo em estádio lotado.
Durante toda a celebração, desde o intróito, o diácono Ailson, sempre com o olhar opaco, fixou os olhos na mãe, que estava sentada na primeira fileira de bancos. Dona Mara, moradora de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, viúva e pensionista da Marinha do Brasil, mãe de um único filho, fez de tudo para vê-lo padre. Chantagem emocional era o principal artifício para mantê-lo no seminário.
Com o término da celebração, o, agora, padre Ailson Fontes se dirigiu à genitora e, diante de todos os presentes despiu suas vestes litúrgicas: casulo, estola e a túnica. Entregou-as para a mãe. Com a voz embargada e os olhos lacrimejados disse-lhe.

___ Agora cumpri o que havia prometido à senhora e ao meu pai, antes dele morrer: sou padre da Igreja Católica Apostólica Romana. Não era isso que vocês queriam? Que eu fosse Padre? Promessa feita, promessa cumprida. A partir de agora, vou atrás da minha verdadeira vocação.

___ Não faça isso, meu filho amado, eu já estou velha e cansada, não agüentaria viver com esse desgosto.

Por mais que dona Mara tentasse dissuadir o filho da idéia de abandonar o sacerdócio, minutos depois de ser ordenado, não teve êxito. Padre Ailson saiu da Catedral em disparada, correndo pela avenida Chile sem olhar para trás. Defronte do Teatro Nelson Rodrigues, o neo-sacerdote deu sinal para um táxi, quando este parou, ele entrou e pediu uma corrida para Laranjeiras. Para ser mais preciso, seu destino era a Sede do Fluminense Football Club.