segunda-feira, 10 de março de 2008

CONTO - OURO DE TOLO

ESTE CONTO FOI ESCRITO EM 1998.

OURO DE TOLO

Arthur Alencar, foi por várias vezes condecorado como funcionário modelo, tinha ele mais de vinte anos de serviços prestados à Caixa Econômica. Durante todo sua trajetória trabalhista, nunca houve um atraso, uma falta que não fosse justificável.
Solteiro convicto, dizia sempre a mesma frase quando alguém lhe questionava sua solterice: Fui consagrado à Santa Terezinha do Menino Jesus, quando uma criança do sexo masculino é consagrada a Santa Lisieux, morre solteiro.
Na sua mesa de trabalho, a imagem da Santa Terezinha do Menino Jesus tinha lugar cativo. Arthur Alencar era avaliador de jóias no setor de penhores da Caixa Econômica, aprendeu os ossos do ofício com seu genitor, um ourives renomado em todo Estado de Sergipe.
Sendo Arthur Alencar um homem portador de tantas boas qualidades, ninguém entendeu nada quando agentes da polícia federal invadiram a Caixa Econômica com armas em punho, em horário de expediente, para prender o funcionário modelo. Os colegas de trabalho e clientes, que presenciaram a cena, fizeram tudo para impedir que os policiais levassem Arthur algemado. Foi um Deus nos acuda.
Os agentes federais não mencionaram o motivo da detenção, somente diziam que estava cumprindo mandato judicial.
Imediatamente se espalhou dentro da Caixa Econômica o real motivo da prisão de Arthur Alencar, depois disso alguns ex-colegas de trabalho, não queriam nem ouvir falar o nome Arthur Alencar, outros cuspiam no chão, sentiam asco. A exceção ficou por conta de Dulce Villar, gerente de atendimento da agência. Ela contratou, com recursos próprios, o melhor criminalista de Sergipe para dar assistência jurídica ao ex-colega e sempre amigo.
Em menos de vinte quatro horas, foi concedido um Habeas Corpus para o ex-funcionário da Caixa Econômica responder ao processo em liberdade: por ser ele réu primário e ter residência fixa. De posse do seu direito de ir e vir para onde quiser, Arthur Alencar saiu em campo para buscar provas que seu erro foi cometido sob uma chantagem.

No dia do julgamento, diante do meritíssimo Sr. Juiz, o advogado criminalista deu início a sua defesa.

___ Meritíssimo Sr. Juiz e senhores jurados. Este homem, querido por todos nós, errou! Errou sim, mas cometeu o único erro da sua vida, porque foi coagido para cometer o referido delito. Não resta dúvidas do fato de que meu cliente foi, de maneira torpe, convencido por um amigo a fazer o que todos nós sabemos.

Após apresentação da defesa, foi a vez da advogada de acusação apresentar sua tese.

___ Senhores jurados, como advogada de acusação, devo lembrar aos senhores que o Sr. Arthur Alencar é um réu, e não devemos aceitar o que o seu advogado quer nos impor: transformá-lo em vítima.

Mediante a bardena generalizada na sala de julgamento e nas galerias de pessoas a favor de Arthur Alencar, o juiz ameaçou evacuar o recito.

___ Silêncio no recinto! Quero lembrar aos presentes que, como juiz, não vou admitir desordem. E, Aos senhores advogados, peço que, para o bom desenrolar deste julgamento, façam entrar a primeira testemunha.

___ O senhor jura dizer a verdade, nada mais que a verdade?

Antes de responder, Ricardo olhou demoradamente, com os olhos lacrimejados, para Arthur Alencar.

___ Sim, juro dizer somente a verdade!

___ Senhor Ricardo, o senhor conhece o senhor Arthur Alencar?

___ Conheço sim senhora.

___ Vocês se conhecem de onde?

___ Somos amigos há cinco anos.

___ Amigos como?

___ Protesto meritíssimo, a minha nobre colega está levando o interrogatório para o lado da intimidade do meu cliente.

___ Protesto aceito. A promotora deve se limitar no assunto da fraude da Caixa Econômica. A questão da opção sexual do réu não esta em questão.

___ A idéia de penhorar bijuterias como jóias legítimas na Caixa Econômica foi do senhor ou do seu, digamos... amigo, senhor Arthur Alencar?

___ A idéia foi minha. Todo plano foi traçado por mim. Arthur relutou muito para pôr em pratica, mas eu insisti até convencê-lo.

___ Não tenho mais perguntas meritíssimo, por mim a testemunha está dispensada.

___ Façam entrar a próxima testemunha, professora Bárbara Marcondes.

___ A senhorita jura dizer a verdade, nada mais que a verdade?

___ Juro!

___ A senhorita conhece o meu cliente, o senhor Arthur Alencar?

___ Não. Não conheço. Pelo menos, não o conhecia até agora! Antes somente de nome.

___ Se não o conhece, como a senhorita foi rolada no processo como testemunha?

___ Eu sou noiva do Ricardo, amigo do senhor Arthur.

___ O que a senhorita sabe sobre a fraude do ouro de tolo, como ficou conhecido o caso das jóias falsas da Caixa Econômica?

___ Sei o que todo mundo sabe. Ricardo forçou o Arthur a aceitar bijuterias como jóias verdadeiras, foram oito cartelas, dando um total de mais de R$ 23.000,00 reais.

___ Para que o senhor Ricardo queria todo esse dinheiro?

___ Para pagar dívidas aos traficantes, ele estava sendo ameaçado de morte.

___ O senhor é Ricardo é viciado?

___ É.

___ Na sua opinião, por que o senhor Arthur Alencar deixou-se ser chantageado pelo o senhor Ricardo?

___ Por amor! Arthur gosta muito do Ricardo. Por ele, Arthur foi capaz de ser conivente com esta fraude, ele maculou seu histórico de homem idôneo. O Djavan tem uma estrofe em uma de suas músicas, que talvez resume a relação entre Arthur e Ricardo. “Por se exato, o amor não cabe em si. Por ser encantado o amor revela-se. Por ser amor, invade e fim”. É isto: por amor, as pessoas fazem loucuras.