domingo, 24 de fevereiro de 2008

CONTO - OS ÍDOLOS DE LILIAN

Conto escrito em 2002.

OS ÍDOLOS DE LILIAN

Agora está tudo consumado. Não adiantava negar o óbvio, o nome da minha família estava mesmo atolado na lama. Estávamos tomando o café da manhã quando a governanta trouxe para o meu pai o jornal dobrado, do qual ele é assinante. Para desespero geral, estava na primeira página uma foto, tamanho 10x15, do meu pai com a seguinte legenda: “Este homem desviou mais de R$ 160 milhões de reais do INSS”. Eu não sei exatamente o que são R$ 160 milhões, eu só sei, que tem muitos zeros, e se tem muitos zeros é porque é muito dinheiro. De uma coisa eu sei, o pessoal do jornal devia ter mais consideração com meu pai, afinal de contas, ele é assinante há mais de 20 anos. Eles não poderiam publicar a foto do meu pai e, ainda por cima, chamá-lo de ladrão. Assim que tiver oportunidade vou pedir ao meu pai para ele cancelar a assinatura do jornal.
Durante todo o dia, minha mãe ficou trancafiada no quarto; tomou tantos remédios que estava com uma aparência de zumbi. O meu pai passou horas a fio ao telefone falando com os advogados que cuidavam da sua defesa. E eu fui terminantemente proibida de sair de casa. Ir aos shoppings diariamente é coisa sagrada para mim. Também, mesmo se quisesse sair não iria poder, o condomínio onde a gente mora, na Barra da Tijuca, vivi impestiado de jornalistas querendo, a todo custo, entrevistar meu pai.
Para azedar de vez a nossa situação, à noite, o “Jornal Nacional” exibiu uma matéria dizendo que meu pai era o chefe da quadrilha que desviou os tais milhões do INSS. Meu pai se levantou da poltrona xingando Deus e o mundo. Mamãe, como sempre, chorava descontroladamente, deu ordens proibindo os empregados de ligarem a TV e o rádio e que rasgassem o jornal assim que o jornaleiro fizesse a entrega pela manhã. Pela primeira vez achei William Bonner feio. Sempre o achei bonito e de olhar sexy, mas depois que ele falou aquelas coisas horrorosas no “Jornal Nacional” sobre meu pai, acho-o feio. Ele não é mais o meu ídolo. Até rasguei da minha agenda o autógrafo que ele havia me dado no dia em que ele foi fazer uma palestra no Santo Inácio, onde estudo desde o Maternal.
Meu pai é o melhor pai do mudo, tudo que eu peço ele me dá. Nunca diz não! Eu aproveito a condição de ser filha única, pelo menos legitimamente. É que meu pai tem um filho bastardo. As pessoas mais próximas da minha família acham que meu pai tá sendo usado como bode expiatório. Há até quem bota a mão no fogo pela idoneidade do meu pai. O erro dele é confiar excessivamente nos outros, dizem os amigos. Meu pai, por ser um Juiz Federal, vivi cercado de gente mal intencionado. As indenizações arquimilionárias que ele assinava, os alvarás para serem pagos pelo INSS, tudo foi feito dentro da mais completa lisura, ele fez tudo na boa fé. Quem garante e o Dr. Aberlado Alcântara, um dos muitos advogados que lutam para inocentar meu pai.
Toda noite meu pai vem ao meu quarto me dar um beijo de boa noite, mesmo se eu estiver dormindo ele me beija, naquela noite não foi diferente, mesmo com o mundo caindo na sua cabeça. Meu pai veio até o meu quarto com a minha mãe e me beijou. Não sei por que fingi que estava dormindo, ouvi quando ele fez um comentário.

___ Temos que tirar a Lilinha do Brasil.

___ Por quê? Você acha necessário tomar essa medida drástica? Ela é apenas uma menina de 13 anos. Tão criança e já tendo que passar por tudo isso. Quando é que viajaremos?

___ Nós não podemos viajar com ela, nossos passaportes foram apreendidos pela Polícia Federal.

___ Lilinha vai viajar sozinha para os Estados Unidos?

___ Não! Lilinha vai viajar com Vilma, ela será a tutora da nossa filha.

___ Mas por que a governanta? Uma mulher nordestina, de nenhuma instrução.

___ Esta mulher nordestina de nenhuma instrução, governanta da nossa casa, é a dona de toda nossa fortuna. Eu coloquei os R$ 160 milhões em nome da Vilma, em uma conta na Suíça.

___ Você é mesmo um ladrão de merda. Como é que você rouba R$ 160 milhões e bota tudo no nome de uma retirante sem eira nem beira?

___ Olha lá como você fala comigo heim? E vamos sair daqui para não acordar a Lilinha.

Depois desta cena, eu não consegui mais abrir os olhos, realmente adormeci de verdade. No dia seguinte, cheguei à conclusão que aquela terrível confissão do meu pai não passou de um pesadelo provocado pela turbulência pela qual minha família atravessava. Imagine se meu pai, idolatrado, salve, salve, seria desonesto! Um homem feito meu pai é raro! Sempre preocupado com os menos favorecidos. Eu amo muito meu pai, ele é o meu ídolo.
Quando sai do meu quarto, para tomar café, encontrei várias malas na sala, curto e grosso meu pai falou.

___ Hoje, às 11h, você estará embarcando para Miami com dona Vilma, as duas ficaram em nosso apartamento em Miami. Depois, sua mãe e eu iremos ao encontro de vocês.

Não respondi nada! Fiquei calada durante todo o trajeto até o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim. Quando o avião levantou vôo, vi que tudo que aconteceu ontem à noite no meu quarto, não foi pesadelo, mas sim a incontestável verdade do meu pai. Eu não amo mais meu pai. Eu amo a Vilma, minha tutora. Ela é meu ídola.