terça-feira, 18 de dezembro de 2007

A CONCEPÇÃO E A VOCAÇÃO

A descoberta da minha vocação literária se deu desde muito cedo. Porém, somente ficou perceptível depois que conseguir decifrar alguns enigmas encontrados durante certo período da minha existência. Aqui farei uma síntese de como tudo começou. Até os doze anos de idade nunca fui dado à leitura, mal lia os livros escolares. Estudar me causava um desassossego medonho, o ano letivo tinha para mim ares de eternidade. A reviravolta se deu quando um dia, durante a celebração da missa das 09hs, senti dentro de mim a “vontade” de ser padre. Naquele mesmo domingo, falei com a responsável pela a Cruzada Eucarística - grupo infanto-juvenil, o qual eu pertencia na época da meninice. A primeira coisa que a responsável me disse foi: “pra ser padre tem que estudar muito e gostar de ler”. A partir desta declaração, tornei-me um estudante e um leitor compulsivo.
O Crime do Padre Amaro, do escritor português Eça de Queiroz, foi o primeiro livro que li por conta própria. O titulo foi que me chamou atenção, pois já como vocacionista ao sacerdócio, questionei: como pode um padre cometer um crime? Em seguida li toda a coleção, da Editora Três, que tinha na estante da minha casa. A Carne, Iracema, A Moreninha, O Cortiço, Memória Póstuma de Brás Cubas, Inocência, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Auto da Campadecida entre outros clássicos que faziam parte da coleção. Mas o que realmente encheu-me os olhos e me transportou para universo da imaginação foi à leitura, recomendada por um estimado professor, do excepcional romance Vidas Secas, do genial alagoano Graciliano Ramos. Aos quatorze anos, sendo apontado como exemplo de estudante e de leitor, e convicto da vocação sacerdotal, reunir uns textos meus, de cunho religioso, e mandei publicar um livreto, intitulado: Lições para Adolescente. Foram publicados cem exemplares e guardei-os sem mostra a ninguém.
Certa feita, já como seminarista, estando eu de férias, em Salvador, parei diante de uma robusta baiana, trajada de branco da cabeça aos pés, sentada com seu enorme enfeitado tabuleiro, para comprar um acarajé. Notei que a baiana fixou o olhar na minha cruz na lapela, enquanto preparava o meu quitute, disse-me: “Você é seminarista, não é? Escuta meu filho, você nunca vai ser padre. Você tem um “Guia” poeta, amante das letras que não vai deixar você ser nada além de escritor”. Peguei o acarajé e sair dali sem olhar pra trás.
Outro episodio do gênero aconteceu em Maceió, quando já estava no Seminário-Maior. Em uma comunidade carente, onde nós seminaristas, em dupla, fazíamos pastoral aos sábados. Sem conhecer todos os moradores, paramos na casa de D.Quitéria, conceituada rezadeira da comunidade. Ao recebermos na porta, e após nossa identificação, ela foi enérgica com as palavras proferidas: “Você não será padre, estou vendo o espírito do poeta Castral em você”. Depois se dirigiu ao meu companheiro de pastoral e falou: “Você não só será padre, como alcançará o bispado”. Naquele mesmo dia, à noite pratiquei uma estripulia, que não era condizente para um seminarista. Pulei o muro do seminário, de mais ou menos quatro metros de altura, fugindo para assisti o show de Caetano Veloso, um dos meus ídolos da MPB. Pouco tempo depois abandonei o seminário-maior de Maceió. Passei seis meses sem obrigações religiosas. Neste período li muito, e conheci através da leitura mestres da literatura universal. Fiódor Dostoiévski, Leon Tolstoi e Anton Tchekhov, os gênios da Rússia. Thomas Mann, Franz Kafka, William Shakespeare, Miguel de Cervantes e James Joyce, com as suas criações magníficas.
A segunda fase desta jornada começa em 1989, quando tomei conhecimento da existência da Ordem dos Oblatos do Sagrado Coração Eucarístico, congregação religiosa masculina da igreja católica. Diferente dos seminários tradicionais, a ordem não era opressora e dava liberdade aos seus membros, de pensarem e agirem conforme seus preceitos. Não pensei duas vezes, arrumei as malas, coloquei meus livros e discos em uma caixa e vim para o Rio de Janeiro. Chegando à Rodoviária Novo Rio, enquanto esperava sentado, a pessoa que me levaria a casa da ordem. De repente surgiu no meio do saguão do terminal, um senhor maltrapilho, de barba branca enorme, com um livro nas mãos recitando em voz alta poesias de Castro Alves, Hermes Fontes, Augusto dos Anjos e Carlos Drumonnd de Andrade. Vez ou outra ele parava diante de algum transeunte sempre declamando. A cena só mudou quando ele se aproximou da minha pessoa, parou de recitar e falou-me: “Este livro mandaram entrega a você, ele é seu”. Assustado tentei levantar para se livrar do assédio inesperado, durante esta minha ação ele colocou o livro em cima dos meus pertencesses e quando me agachei para pegar o livro para devolver-lo, o homem sumiu misteriosamente. Lancei meu olhar em todas as direções e não conseguir encontrar o desconhecido. Estava folheando o livro, com o intuito de encontrar algo que explicasse o ato ocorrido, quando seu Artur,o motorista da ordem, chegou para me buscar. Fiquei aliviado em sair daquele cenário.
Tudo estava caminhando para as revelações dos enigmas. O noviciado da ordem ficava em Petrópolis, região serrana do Estado do Rio de Janeiro, foi para lá que fui levado depois de passar uns dias na cidade maravilhosa. Após alguns meses de noviciado, comecei a cursar Filosofia. A partir daí abriram-se uma infinidade de portas na minha vida. A filosofia me fez enxergar, que na vida tudo é evolutivo. Que a lucidez nem sempre que dizer razão. Que o próprio ser humano se faz, se desenvolve e se destrói. Os filósofos: Tomás de Aquino, Friedrich Nietzsche, Voltaire e Sartre deram consistência à minha formação pessoal. Terminado curso de filosofia, fui morar no Rio de Janeiro para começar o curso de Teologia, última etapa antes de receber a ordenação sacerdotal. A teologia mostrou-me um Deus com: começo, meio e fim. Assim como todo ser humano.
Resumo da ópera: Fui ordenado padre, sou autor de doze livros, escrevi três peças teatrais e dois roteiros. Religiosamente sou um eclético, acredito em tudo que eu sinto a presença de Deus. Com a decifração dos enigmas aqui relatados, ficou evidente minha missão.